9 - VÔO MM36 CANCELADO

"Se Crês em Deus, nunca te perderás no labirinto da revolta ou da desesperação, ante golpes e injúrias que se te projetem na estrada, porquanto interpretarás ofensores e delinqüentes, na condição de infelizes, muito mais necessitados de bondade e proteção que de fel e censura."

Emmanuel

Ê, ufa, não sabia que essa história era tão grande, e o quanto essa enormidade pode causar de mal a nós se traduzindo em ansiedade, medo e até indignação. O que vem na mente após dois anos em que você busca algo que te incomoda, que se mostra uma grande ameaça, mas não se realiza. Após sei - lá quantos exames, vários médicos, tudo feito de maneira correta e repetida, o que aconteceu? Era minha pergunta naquele momento, respondida sabiamente pelo meu médico que além de excelente profissional na sua área, religioso e grande entendedor da mente humana, sabia curar "o doente" e não só "a doença" e isso é fator primordial até numa gripe, sentiu a minha indignação, soube me controlar e acima de tudo, preparar para o inevitável que era a cirurgia, recuperação e a vida de volta.

Cirurgia definida seria retirado todo o rim esquerdo e ureter, que é a ligação dele com a bexiga, para se evitar uma possível propagação das células cancerígenas a outros órgãos, uma prevenção, então seriam "duas" cirurgias, e não uma só, ainda bem que nem fiquei sabendo disso antes e a do rim, de grande porte, demorada, com dois médicos, enfim de alto risco.

Antes de o dia chegar não me senti com medo ou inseguro, tinha confiança total do médico e acima de tudo a necessidade de tirar aquilo de dentro de mim. O que surgia naquele momento era a confiança em Deus os constantes pedidos de que tudo desse certo, mas, ao mesmo tempo a duvida na cabeça, é justo um homem que não é nenhum religioso, se afastou de qualquer prática, sempre se questionou, tinha dúvidas, de repente se vê diante deste impasse, confio ou não confio? sobre esse assunto,não pense, entenda, e só fui entender mais tarde, talvez no momento certo e é assunto pra outro dia.

Dia da cirurgia 06/03/2006, uma segunda-feira, 7 da manhã eu no centro cirúrgico com aquele uniforme maravilhoso mais uma vez, deito na mesa, os preparativos dos enfermeiros naquela velha normalidade, falando sobre seus problemas e você ali deitado, aguardando a bendita anestesia, que pra quem não gosta, eu adoro. E chega o doutor, me cumprimenta com um belo sorriso, tranqüiliza, conversamos um pouquinho até que o anestesista coloca seu produto ali no soro, e e e . . .

Onde estou? Quem sou eu? Donde vim? Deitado numa maca, cheio de soros, sensores, meio passado depois de algum tempo aparece uma enfermeira, "você acordou hein, demorou", nossa que horas são "21:30" O QUÊ?????, quanto durou isso?, minha nossa, mas enfim tava ali de boa, recuperando-me, certa dificuldade para respirar, por isso um daqueles pequenos tubos de oxigênio no nariz, e a enfermeira me informa que vamos para a UTI. UTI???? vixe nunca fui parar nisso, "Não se preocupe, é só para um acompanhamento melhor, foi uma grande cirurgia e você necessita de maior acompanhamento". OK vamos nessa, UTI ao contrario do que eu imaginava, é um tremendo local bacana, ar condicionado, meia luz, uma enfermeira pra cada paciente, monitoramento individual, TV a cabo, café expresso, rodízio no almoço, opa opa opa,depois da TV é tudo mentira, viajei,mas falar em viajar seria comparável a sala de embarque para vôo, a UTI seria a sala vip, porém, se você embarcar nesse vôo?

E lá fui eu entrando na sala de UTI, onde por incrível que pareça aconteceria um dos lances mais hilários que já passei em toda minha vida, trágico, porém hilário, e não poderia deixar de contar. Estava numa das camas que são de grade fechada, para que o paciente não caia, tinha uma sonda urinária pelo canal da uretra (onde se urina normalmente), ligada a bexiga para a recuperação, que deveria ficar por ali por uns 30 dias, e ela estava pendurada na grade da cama, me levaram até a UTI, lá eu tinha que ser "transferido" para outra cama, então a enfermeira chefe, que não era como se imagina uma senhora com anos de experiência, que já passou por mil situações, serviu no exército da salvação, etc. mas uma moçoila aparentemente recém saída da faculdade,mas muito prestativa, profissional e em pouco tempo deu pra notar que eu estava fazendo ma fé da moça. Então ela começa o processo de preparação, por enquanto aguarda que cheguem as outras enfermeiras para ajuda-la na transferência, ela arruma a cama que iria ficar liga os aparelhos,e eu ali, fraco, não tinha muita força nem pra falar, respirando por um tubo de auxilio, assistindo, eis que ela se vem para minha cama, pega na grade esquerda, força, força e a dobra para trás liberando a cama, vai pro lado direito e, "rapaz desse lado tá minha sonda', moçaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa, e tum ou schlep, ou sei - lá se fez barulho, fato é que nem esse moçaaaaaa que eu pensei se transformou em palavra e nem ela viu que a sonda tava lá, arrancou inteira, é uma bolsa de urina com uma mangueira de uns 20 metros, hahahahahaha, menos, 30 centímetros vai, mas foi um baque, ai de repente começa a chegar enfermeira de todo lado, "tá pronto pra transferir?", e a moçoila que era a mais nova ali, embora as outros não fossem assim também muito acima no padrão de idade, diz "gente, a sonda dele saiu", nossa e agora, vamos transferi-lo e colocar já, ele não pode ficar sem de jeito nenhum, "da pra chamar o médico", não são mais de onze horas, agente coloca, eu já fiz isso, pega lá uma sonda 10, não é 9, eu acho que era 8 (não sei se eram esses os números), me transferiram de cama, ligaram tudo.

Reunião a minha volta, 6 enfermeiras, cuja chefe devia ter 22 e a mais velha uns 28.Pauta: como se coloca uma sonda: era com silicone? pomada de não sei o que? xilocaína? creme de papaia? hidratante? chama o médico, liga pra fulano, fala com a emergência, pega tal coisa , e eis que lá do fundo sai uma lembrança, chamo a chefinha e digo com baixas palavras quase sem força, 'filha coloca isso com silicone e passa um pouco de xilocaína pra não doer e ta tudo certo, é assim que o médico faz, já botei um monte disso aí' e dei risada, claro que foi só no pensamento pois quando ria de verdade doía, e doía muito, tive que me conter e só dar risada umas semanas depois. Quanto à colocação da sonda, fica pra imaginação de cada um, triste de uma UTI naquele momento foi que todo mundo lá tava apagado, senão curaria a metade dos pacientes, parecia a praça é nossa, cura pela alegria.

Bom com relação a cirurgia, vim a saber somente depois de ir para o quarto, quase 10 horas de duração, duas paradas respiratórias, parece até que um terceiro médico veio ajudar, muita dificuldade de acesso ao rim,por isso adoro anestesia, mas enfim graças a Deus e aos profissionais que ali estavam, mais um vôo cancelado na minha vida, era me dada mais uma oportunidade nessa vida maravilhosa.